
Mauro não perdia por nada neste mundo seu joguinho de futebol. Todo sábado, sete da manhã no relógio e uma chuteira em cada pé, ele dirigia cinco quilômetros até o Aterro do Flamengo, onde jogava duas ou três partidas alternadas e xingava sem parar quem não passava a bola.
Mas não naquele sábado que veio depois daquela sexta, quando ele comeu naquele boteco um bolinho de feijão que tinha sido preparado na quarta - culpa do garçom demitido na quinta, que deixou de propósito a geladeira desligada.
Acordou verde, vendo o mundo rodar, colocando os bofes para fora e garimpando, desesperado, qualquer resto de Plasil perdido no armário do banheiro.
Joice não costumava dar plantão aos sábados. Desde que se formara, há cinco anos, sempre procurava reservar a véspera do domingo para o seu lazer pessoal, que consistia em visitar entediantes exposições culturais e comparecer a sessões vazias de filmes estrangeiros consideravelmente chatos.
Mas justamente naquele sábado precisou substituir sua amiga Viviane, clínica geral, recém separada, que tinha viajado para Campos de Jordão - ela e um enfermeiro malandro de nome Paulão.
Naquele sábado, Joice estava trabalhando, meio a contragosto, no pronto atendimento de um hospital cheio de convênios, distante sete - ou oito - quadras do mar de Copacabana.
Sim, encontraram-se:
- Doutora, eu vou morrer - disse Mauro.
- Não vai, não. Posso garantir - Joice respondeu.
- Nada para no meu estômago!
- Calma, a enfermeira vai colocar um remedinho show na sua veia. Calma!
- Nunca mais como na rua...
- Duvido! Bom, aqui está a sua receita; ops, só falta a data. Aliás que dia é hoje?
- Doze de junho.
- Ih! Dia dos namorados!
- Nem me fale, doutora. Nem me fale!
- Por quê?
- Porque o amor da minha vida morreu justamente em um dia dos namorados.
- Ah, que pena. Sinto muito - respondeu Joice, realmente tocada, pousando carinhosamente a mão no antebraço do Mauro.
- Obrigado.
- Mas ao menos você pode dizer que teve um amor em sua vida - confidenciou Joice, ainda mais sensibilizada, revelando em uma frase curta o imenso vazio que preenchia seu coração.
Ali já não existiam mais paciente e doutora.
- Posso pedir seu whatspp antes de desmaiar de fraqueza? - Mauro gracejou.
Gracejou e se deu bem.
Encontraram-se umas semanas depois, em um barzinho bem próximo ao hospital onde se conheceram. Encontraram-se, descobriram que tinham muito em comum e, como não poderia deixar de ser, ficaram juntos.
E estão juntos até hoje.
Quando as pessoas perguntam como tudo começou, Joice não poupa as palavras:
- Esse mentiroso safado me enganou! Veio com um papo de coitadinho, dizendo que tinha perdido o amor da vida em um doze de junho. Tudo mentira! Pilantra!
Mauro, todo orgulhoso, só diz uma:
- Funcionou.
...